Influenza: Uma infecção respiratória de inverno
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Com a chegada dos dias mais frios geralmente aumentam os casos de infecções respiratórias. Mesmo em meio a pandemia da Covid-19, não devemos deixar de nos preocupar com os vírus sazonais causadores dessas infecções agudas.
A gripe continua sendo um dos maiores desafios de saúde pública do mundo, apesar de números mostrarem que sua incidência diminuiu durante a pandemia. Mas a cada ano, estima-se que haja 1 bilhão de casos de influenza. Dessas ocorrências, de 3 a 5 milhões são graves, provocando de 290 mil a 650 mil mortes por doenças respiratórias relacionadas.
O Vírus Influenza
O agente etiológico da gripe é o Myxovirus influenzae, também denominado vírus influenza. Os vírus influenza são partículas envelopadas de RNA de fita simples segmentada e subdividem-se nos tipos A, B e C, sendo os do tipo A e B com relevância clínica em humanos. Os vírus influenza A apresentam maior variabilidade e, portanto, são divididos em subtipos de acordo com as diferenças de suas glicoproteínas de superfície, denominadas hemaglutinina (H) e neuraminidase (N). A princípio, existem 15 tipos de hemaglutinina e 9 tipos de neuraminidase identificadas em diferentes espécies animais. Atualmente são conhecidas três hemaglutininas (H1, H2 e H3) e duas neuraminidases (N1 e N2) presentes nos vírus influenza do tipo A adaptados para infectar seres humanos. No entanto, os vírus Influenza B apresentam apenas dois subtipos: B/Victoria e B/Yamagata.
Os vírus se replicam no trato respiratório e, dessa forma, misturam-se às secreções respiratórias e são espalhados por pequenas partículas de aerossol geradas durante o ato de espirrar, tossir ou falar. O período de incubação da influenza mostra-se bastante curto (1 a 4 dias). Um único indivíduo infectado pode transmitir a doença para grande número de pessoas susceptíveis.
Epidemias e Pandemias
Os vírus influenza são únicos capazes de causar epidemias anuais recorrentes, atingindo quase todas as faixas etárias num curto espaço de tempo. Isto é possível devido à sua alta variabilidade, capacidade de adaptação e altas taxas de mutação durante a fase de replicação. Desse modo, estas mutações ocorrem de forma independente e habitualmente provocam o aparecimento de novas variantes para as quais a população ainda não apresenta imunidade. Soma-se a isto a facilidade de transmissão do influenza.
Uma das dificuldades para o controle da disseminação dos vírus influenza se dá pela existência de diversos reservatórios animais, especialmente aves e mamíferos, possibilitando assim, o reagrupamento entre genes de vírus que infectam seres humanos e animais. As grandes pandemias foram consequências de variações antigênicas maiores e responsáveis por milhões de mortes nos episódios das Gripes Espanhola (1918-1919) causada pelo vírus influenza A H1N1. Asiática (1957 – 1958) causada pelo vírus influenza A H2N2. E de Hong Kong (1968) causada pelo vírus influenza A H3N2.
Por isso, devido às epidemias anuais de gripe e ao risco de novas pandemias, o monitoramento epidemiológico do vírus influenza é obrigatório e de fundamental importância. Iniciada em 1947, a rede de vigilância epidemiológica da gripe coordenada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) inclui atualmente cerca de 128 Laboratórios Nacionais de Influenza. São distribuídos em 89 países, apoiados por quatro Centros de Referência localizados em Londres, Atlanta, Melbourne e Tóquio.
Complicações
Clinicamente, a gripe inicia-se com a instalação abrupta de febre alta, em geral acima de 38ºC, seguida de mialgia, dor de garganta, prostração, calafrios, dor de cabeça e tosse seca. A febre é, sem dúvida, o sintoma mais importante e perdura em torno de três dias.
As complicações são mais comuns sobretudo em idosos e indivíduos imunossuprimidos. Podem ser respiratórias e extra respiratórias. A principal complicação respiratória é a pneumonia. O vírus compromete diretamente o parênquima pulmonar, desse modo, causando dispneia, cianose e algumas vezes expectoração contendo sangue. A radiografia do tórax demonstra acometimento intersticial difuso e/ou evidências de síndrome respiratória aguda no adulto. Dessa forma o vírus altera o epitélio traqueobrônquico, com diminuição das células, perda dos cílios, disfunções das células fagocíticas e fornecimento de meio de cultura (exsudato alveolar) propício ao crescimento bacteriano, predispondo às infecções bacterianas (Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus, Haemophilus influenzae e Streptococcus pyogenes). Portanto, essa ocorrência mista viral e bacteriana é observada com muita frequência. E dentre as complicações extra respiratórias estão miosite, miocardite e síndrome de Reye, entre outras.
Diagnóstico Molecular
O vírus influenza pode ser identificado com maior frequência com relação aos demais vírus respiratórios diante de surtos de gripe. Todavia nem sempre há uma diferença clara entre os sintomas da gripe e resfriado. Os resfriados podem ser causados por diversos vírus como o vírus sincicial respiratório, o parainfluenza, adenovírus e rinovírus, mas somente o influenza é causador da gripe.
Os ensaios moleculares são uma metodologia útil e poderosa para detecção e identificação precisa de vírus em amostras respiratórias. Por isso, o diagnóstico molecular do vírus influenza através da transcrição reversa seguida por PCR em tempo real (RT-qPCR) é a metodologia padrão-ouro. Além disso, é uma importante ferramenta para a saúde pública no monitoramento epidemiológico, fundamental para a prevenção, contenção, vigilância e manejo terapêutico de pacientes.
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A metodologia molecular de uma forma geral, permite a detecção do patógeno na fase inicial da infecção. Dessa forma, é um método que pode ser utilizado já nos primeiros dias de infecção possibilitando um diagnóstico preciso, mesmo na ausência de sintomas.
Nesse sentido, a combinação de excelente sensibilidade e especificidade, baixo risco de contaminação, alto desempenho e velocidade, faz com que a tecnologia de qPCR seja uma alternativa mais atraente do que os métodos convencionais. Por fim, o grande diferencial está no tempo do resultado que pode ficar disponível em até 4 horas.
Um Lado Positivo da Pandemia: o vírus da gripe tornou-se menos diversificado
Com as medidas de supressão da Covid-19, primordialmente como uso de máscara, álcool gel, distanciamento social, fechamento ou restrições em estabelecimentos e limitações de viagens, as taxas de transmissão do vírus da gripe estão historicamente baixos em todo o mundo. Alguns especialistas argumentam que um dos subtipos do H3N2 pode ter desaparecido – extinto. O mesmo fenômeno também pode ter ocorrido com uma das duas linhagens de vírus influenza B, conhecido como B / Yamagata.
De acordo com Trevor Bedford, biólogo computacional da Fred Hutchinson Cancer Research Center em Seattle, nenhuma sequência do vírus B/Yamagata nem da variante conhecida como 3c3, da família H3N2, foi registrada desde março de 2020 nos bancos de dados internacionais que monitoram os casos de gripe.
Parte disso, por certo, se deve ao fato de que os laboratórios que fazem o sequenciamento viral estão priorizando o trabalho com o SARS-CoV-2, o vírus que causa a Covid-19. Mas um grande fator aqui é que há muito menos transmissão de gripe ocorrendo em todo o mundo. Isso levou a uma redução substancial do pool de vírus da gripe humana.
Durante um ano normal, as sequências genéticas de cerca de 20.000 vírus da gripe são registradas no GISAID. Um repositório usado por pesquisadores e funcionários de saúde pública para monitorar a evolução da gripe e dos coronavírus. Mas no ano passado, apenas 200 foram carregados, completa Bedford.
Apesar da ideia de o vírus ter desaparecido ser animadora, ela divide opiniões. Para Florian Krammer, especialista em gripe na Mount Sinai School of Medicine, em Manhattan, “só porque ninguém viu não quer dizer que desapareceu completamente, certo? Mas poderia”.
Richard Webby, diretor do Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde para Estudos sobre Ecologia da Gripe em Animais e Aves, explica que apenas uma parte dos vírus da gripe passa por sequenciamento genético. Portanto, as previsões sobre quais vírus possam ter desaparecido são baseadas nos bancos de dados e correm o risco de estarem erradas.
Mas apesar dos contrapontos, Webby concorda que houve uma grande redução na diversidade dos vírus da gripe circulantes, dizendo que será interessante ver como isso se desenvolverá nos próximos anos. “Sem dúvida, isso definitivamente mudará algo em termos da diversidade de vírus da gripe por aí. Até que ponto isso muda e por quanto tempo permanece alterado são os grandes pontos de interrogação. Mas nunca vimos isso antes”, completou.
Vírus | Total |
---|---|
Influenza (Todos) | 57 |
– Influenza A | 39 |
– Influenza A H1N1 | 3 |
– Influenza B | 15 |
Vírus Sincicial Respiratório | 1.054 |
SARS-CoV-2 | 145.070 |
Casos confirmados de Janeiro a Março de 2021 em pacientes com idade entre 0 a 80+ – Informações do Ministério da Saúde (DataSUS)
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Referências
Influenza – Eduardo Forleo-Neto, Elisa Halker, Verônica Jorge Santos, Terezinha Maria Paiva e João Toniolo-Neto – Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical – mar-abr, 2003. https://www.scielo.br/j/rsbmt/a/464YdYy4R3qTfF55KQNcgKp/?lang=pt#
Gripe aviária: a ameaça do século XXI – Cláudia Ribeiro de Andrade, Cássio da Cunha Ibiapina, Natália Silva Champs, Antonio Carlos Castro de Toledo Junior e Isabela Furtado de Mendonça Picinin – Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte – Departamento de Pediatria – 2008. https://www.scielo.br/j/jbpneu/a/vMMwHvW5g8MwWb8wCbRDzJR/?lang=pt#
O papel do diagnóstico laboratorial da influenza – Wyller Alencar de Mello – Instituto Evandro Chagas/SVS/MS – Ananindeua / Pará – Revista Pan-Amazônica de Saude v.1 n.1 – mar. 2010. http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-62232010000100027&lng=pt&nrm=is&tlng=pt
Orientações para implementação do ensaio de RT-PCR multiplex para influenza e SARS-CoV-2 vigilância integrada de influenza e COVID-19 – Organização Pan-Americana da Saúde OPAS – abril de 2021
VIRUS INFLUENZA E O ORGANISMO HUMANO – Bruna Furlaneto Rodrigues, Fernanda Farias, Glaucia Takara, Larissa Pavin, Lilian Sena, Marina Nascimento, Milla Pompilio e Cristina Paiva de Sousa – Universidade Federal de São Carlos – Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) – 2007. https://www.ufjf.br/nates/files/2009/12/13virus.pdf