Sedimentoscopia: Análise Microscópica de Sedimento de Urina
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A microscopia do sedimento urinário é um aspecto muito importante na avaliação dos pacientes. O exame de urina pode oferecer informações não apenas sobre os rins e bexiga, mas sobre o fígado, pâncreas e outros órgãos, analisando uma ampla gama de distúrbios. Uma pequena amostra indica a situação em que o organismo se encontra de uma forma generalista.
A urina possui vários elementos sólidos microscópicos, insolúveis em suspensão. Esses elementos incluem glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, células epiteliais, cristais, bactérias e parasitas. Quando em repouso, ou após centrifugação, esses elementos se estabelecem e sedimentam no fundo do recipiente. Eles são conhecidos como depósitos urinários ou sedimentos urinários, por essa razão a análise desses sedimentos é chamada de sedimentoscopia.
Através da urina é possível descobrir muitas patologias, além de auxiliar o diagnóstico de infecções e doenças renais até casos de doenças crônicas, como hipertensão ou diabetes. É útil ainda para realizar o acompanhamento da doença e a resposta aos tratamentos.
O exame identifica a aparência, concentração, bem como conteúdo da amostra.
Exame de urina de rotina – nomenclaturas
Uma das grandes discussões é tentar padronizar uma nomenclatura adequada para o exame de urina. Chamado por muitos de exame de urina de rotina, recebe também as seguintes denominações:
- Urina tipo 1
- Sumário da urina
- Urina simples
- Análise físico-química da urina e sedimento
- EAS (elementos anormais e sedimentoscopia),
- EQU (exame químico da urina),
- ECU (exame comum da urina)
- Urina parcial
- PEAS (pesquisa de elementos anormais e sedimento)
- Uroanálise
- Uranálise
- Urinálise.
Aspectos analisados no exame
A análise da urina de rotina consiste em medir por métodos físicos e químicos os diferentes parâmetros, tanto microscópicos como químicos da amostra, para diagnóstico do paciente.
Assim, o exame de urina é constituído por três fases distintas: análises física, química e dos sedimentos.
- A análise física compreende a observação do aspecto, da cor, da densidade e, ocasionalmente, do odor da urina.
- A análise química pode ser realizada de forma clássica, com reativos preparados pelo próprio laboratório ou com o recurso de química seca, pelo uso de tiras reagentes.
- A análise dos sedimentos pode ser feita por microscopia ou por metodologias automatizadas.
Embora a aparência ou a coloração possam dar alguma indicação do problema, a microscopia permite uma análise mais profunda da amostra.
Preparação da amostra de Urina
Na microscopia, uma amostra de urina é centrifugada para obter os sedimentos. Estes podem ser usados para examinar a presença de células epiteliais, leucócitos, hemácias, cilindros, cristais, bactérias e fungos.
A centrifugação é um processo físico de separação. Consiste numa amostra fluida que é submetida a força centrífuga a fim de promover a separação dos componentes por meio da sedimentação dos elementos de diferentes densidades.
Em relação ao exame de urina de rotina feito de forma clássica (manual), a centrifugação é um procedimento pré-analítico que deve ser realizado em condições ideais. Isso permite a obtenção do sedimento dentro dos padrões necessários para a realização adequada da análise microscópica.
Para preparar uma amostra de urina para análise microscópica, uma amostra fresca de 10 a 15mL de urina deve ser centrifugada a 1.500 a 2.000 rpm durante 10 minutos, segundo recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML). O sobrenadante é então decantado e o sedimento ressuspenso. Uma gota é colocada sobre a lâmina, lâmina K-cell ou câmara de contagem para análise no microscópio e contagem de células.
Sedimentos identificados por microscopia
O sedimento urinário deve ser reportado qualitativamente (tipos de células, cilindros, cristais, organismos) e quantitativamente (número de cilindros por campo de pequeno aumento e/ou células por campo de grande aumento). Pelo menos de 10 até 20 campos microscópicos devem ser observados e uma faixa média reportada.
O exame microscópico do sedimento urinário pode indicar a presença de uma doença e, muitas vezes, a natureza e a extensão das lesões.
Normalmente, um pequeno número de células e outros elementos formados podem ser detectados na urina. Quando há uma enfermidade, o número desses elementos aumenta significativamente.
Confira a seguir os elementos que são encontrados na urina:
Elementos celulares
A urina pode conter diferentes tipos de células, algumas delas derivadas do sangue e outras do epitélio de revestimento do sistema urinário. Os tipos celulares mais comuns observados são eritrócitos, leucócitos e células epiteliais.
Células epiteliais
É comum o achado de algumas células epiteliais. Podem ser de três tipos distintos: células escamosas, transacionais e dos túbulos renais.
A maioria não tem significado clínico, representando uma descamação de células do revestimento epitelial do trato urinário. O achado de células com atipias nucleares ou morfológicas pode indicar a presença de processos neoplásicos. A presença de fragmentos epiteliais e de células de origem tubular pode estar ligada a processos de necrose tubular aguda e a lesões isquêmicas renais.
Eritrócitos (hemácias ou glóbulos vermelhos)
A presença de um número aumentado de eritrócitos na urina é denominada hematúria (sangue na urina). Pode ser microscópica ou macroscópica, dependendo de sua intensidade.
As hematúrias podem ser transitórias e benignas, mas também podem indicar lesões inflamatórias, infecciosas ou traumáticas dos rins ou vias urinárias.
A morfologia dos eritrócitos é útil para ajudar a localizar a origem da lesão, seja uma doença nos rins ou em qualquer outro lugar no sistema ou vias urinárias.
Leucócitos (glóbulos brancos)
Podem estar presentes em pequena quantidade na urina normal. Porém em quantidade elevada é denominada piúria. Os neutrófilos são o tipo mais comum, mas também podem ser observados eosinófilos e linfócitos.
Quantidades aumentadas indicam a presença de lesões inflamatórias, infecciosas ou traumáticas em qualquer nível do trato urinário. Também pode ser um indicativo de contaminação da amostra. Por isso, deve-se sempre excluir contaminação por via genital. É preciso observar qual tipo de célula branca está aumentada para buscar a causa sistêmica ou local correspondente.
Cristais
Os cristais são formados a partir da precipitação de sais presentes na urina por diversos fatores, como o pH e a concentração. São um achado frequente na análise do sedimento urinário normal.
Há cristais cuja presença na urina pode estar associada a algumas doenças metabólicas ou infecciosas, sendo considerados cristais patológicos. Um mesmo cristal, na dependência da quantidade, forma de apresentação e condições do meio ambiente urinário, pode ter diferentes significados clínicos.
Alguns cristais representam um sinal de distúrbios físico-químicos na urina ou têm significado clínico específico, como os de cistina, leucina, tirosina e fosfato amoníaco magnesiano. Podem também ser observados cristais de origem medicamentosa e de componentes de contrastes urológicos.
A cistina está ligada ao defeito metabólico cistinúria, além de responder por cerca de 1% dos cálculos urinários. Como a tirosina e a leucina são resultado de catabolismo proteico, seu aparecimento na urina sob a forma de cristais pode indicar necrose ou degeneração tecidual importante. Os cristais de fosfato amoníaco magnesiano estão relacionados a infecções por bactérias produtoras de urease.
Cilindros
São elementos exclusivamente renais compostos por proteínas e moldados principalmente nos túbulos distais dos rins. Por essa razão todas as partículas que estiverem contidas em seu interior são provenientes dos rins. Indivíduos saudáveis, principalmente após exercícios extenuantes, febre ou uso de diuréticos, podem apresentar pequena quantidade de cilindros, geralmente hialinos.
Os cilindros retêm o conteúdo dos túbulos renais no momento de sua formação, constituindo-se em verdadeiras “biópsias”. Quando em conjunto com outros achados do sedimento urinário e do exame bioquímico da urina, funcionam como biomarcadores do local da lesão renal (glomerular, tubular ou intersticial), de natureza da lesão (funcional ou estrutural) e até mesmo de prognóstico.
Nas doenças renais, apresentam-se em grandes quantidades e em diferentes formas, de acordo com o local da sua formação. Os cilindros podem estar presentes em diferentes doenças: como hemáticos (doença renal intrínseca), leucocitários (pielonefrites), de células epiteliais (lesões nos túbulos renais), granulosos (doença renal glomerular ou tubular e algumas situações fisiológicas) e céreos (insuficiência renal, rejeição a transplantes, doenças renais agudas e estase do fluxo urinário).
Bactérias
A suspeita de infecção urinária pode acontecer se bactérias estiverem presentes em amostras recentemente obtidas por coleta de jato médio, particularmente se numerosos leucócitos estiverem também presentes.
Normalmente a urina não possui bactérias, mas se a amostra não for colhida nas condições adequadas, pode ocorrer contaminação. Especialmente em mulheres, bactérias e leucócitos na urina podem ser resultados de contaminação com secreções vaginais.
Em infecções do trato urinário com envolvimento dos rins, além de leucócitos e bactérias, podem ser observados cilindros leucocitários e mesmo cilindros contendo bactérias.
Parasitas
O Trichomonas vaginalis é o parasita encontrado com maior frequência em amostras de urina. Por ser um protozoário flagelado é facilmente identificado pela sua movimentação rápida e irregular pela lâmina. Porém quando não se move é muito difícil de distingui-lo de um leucócito.
O achado na urina geralmente indica contaminação por secreções genitais, sendo uma frequente causa de vaginites e uretrites. Alguns outros parasitas também podem ser encontrados, normalmente resultado de uma contaminação fecal.
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Referências:
- Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial
- (SBPC/ML) : realização de exames em urina. Barueri, SP : Manole, 2017.
- MARTINS, Mílton Arruda, CARRILHO, Flair José, ALVES, Venâncio Ferreira, CASTILHO, Euclides. Clínica Médica, Volume 3: Doenças Hematológicas, Oncologia, Doenças Renais, 2ª edição. Manole, 2016.
- ROSS, Michael H., PAWLINA, Wojciech. Ross | Histologia – Texto e Atlas – Correlações com Biologia Celular e Molecular, 7ª edição. Guanabara Koogan, 2016.
- XAVIER, Ricardo M., DORA, José Miguel, BARROS, Elvino. Laboratório na Prática Clínica, 3ª edição. ArtMed, 2016.
- JR, REILLY, Robert F., PERAZELLA, Mark A. Nefrologia em 30 dias, 2ª edição. AMGH, 2015.
- RIELLA, Miguel Carlos. Princípios de Nefrologia e Distúrbios Hidroeletrolíticos, 5ª edição. Guanabara Koogan, 2010.
- ¹Todas as fotos foram retiradas do livro “Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial”.
Referências:
- Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial
(SBPC/ML) : realização de exames em urina. Barueri, SP : Manole, 2017. - MARTINS, Mílton Arruda, CARRILHO, Flair José, ALVES, Venâncio Ferreira, CASTILHO, Euclides. Clínica Médica, Volume 3: Doenças Hematológicas, Oncologia, Doenças Renais, 2ª edição. Manole, 2016.
- ROSS, Michael H., PAWLINA, Wojciech. Ross | Histologia – Texto e Atlas – Correlações com Biologia Celular e Molecular, 7ª edição. Guanabara Koogan, 2016.
- XAVIER, Ricardo M., DORA, José Miguel, BARROS, Elvino. Laboratório na Prática Clínica, 3ª edição. ArtMed, 2016.
- JR, REILLY, Robert F., PERAZELLA, Mark A. Nefrologia em 30 dias, 2ª edição. AMGH, 2015.
- RIELLA, Miguel Carlos. Princípios de Nefrologia e Distúrbios Hidroeletrolíticos, 5ª edição. Guanabara Koogan, 2010.
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¹Todas as fotos foram retiradas do livro “Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial”.